Estatística

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Reflexões sobre a recolha de lixo em Luanda

A recolha e tratamento do lixo/resíduos sólidos sendo uma componente do saneamento básico é uma actividade que antes de mais, deve ser vista como trabalho comunitário, que tem de ser realizado em benefício do bem-estar das populações, constituindo-se assim em mais-valia em termos de saúde pública.
O objectivo principal da recolha regular do lixo/resíduos sólidos produzido pela comunidade é evitar a sua acumulação, para não dar possibilidades do mesmo exibir todo o seu mau aspecto (poluição visual), a proliferação de vectores causadores de doenças, como ratos, baratas, moscas e outros que encontram nos restos que consumimos as condições ideais para se desenvolverem ou ainda o exalar de maus cheiros, a deflagração de incêndios com a consequente emissão de fumos que provocam doenças respiratórias, a inestética da cidade, etc.
resíduos resultante da limpeza da vala de drenagem na rua da Samba
Tudo isso incomoda a população que vê-se obrigada a tecer duras críticas às Administrações Municipais e de uma forma geral ao Governo, levando a um desgaste político tão grande que deve obrigar as entidades administrativas e governamentais a reflectirem na promoção de investimentos sérios para estes serviços.
Entretanto, para a organização e eficácia na realização dos serviços de recolha há a considerar factores sociais de ordenamento urbano tais como:
1-  Diferenciar a deposição e recolha do lixo/resíduos sólidos domésticos do comercial de forma a optimizar e rentabilizar os serviços.
2-  Organizar a pré-recolha nos grandes aglomerados tais como mercados, feiras, etc., com deposição em recipientes posicionados em pontos predefinidos para recolha .
3-  Incentivar a participação comunitária em todas vertentes através da sensibilização permanente dos cidadãos para que contribuam com opiniões, participação em campanhas e outras formas de educação comunitária, para efectivação cada vez mais eficiente dos serviços.
4-  Disciplinar o tráfego e o estacionamento automóvel como forma de evitar os constrangimentos que provocam aos serviços de recolha e transporte dos lixos para o destino final. Estes (constrangimentos) também estão ligados ao mau estado de conservação das vias e o baixo nível cívico dos automobilistas.
5-  Criar condições de terraplenagem e arranjo das ruas no interior dos bairros suburbanos para facilitar a recolha, que se pretende porta a porta e com regularidade.
6-  Criação de incentivos, por parte das estruturas do estado, para potenciar as operadoras destes serviços tais como:   
-       Financiamentos para reforço da capacidade de recolha;
-       Incentivar o surgimento de empresas de beneficiamento para valorização de alguns componentes do lixo/resíduos sólidos.
7-  Criar e fazer cumprir com rigor regulamentos de comportamentos cívico e comunitário por forma:
-       A evitar o surgimento de pequenos mercados anárquicos, muitos deles nas bermas e passeios das vias públicas;
-       Que se preestabeleça e se faça cumprir os horários para deposição do lixo por parte da população;
-       Que o estacionamento automóvel não prejudique a efectivação dos serviços, optimizando assim os equipamentos e o tempo de recolha;
-       Que os grandes produtores utilizem transportes próprios ou celebrem contratos com operadoras de limpeza para recolha e transporte dos lixos/resíduos sólidos por eles produzidos;
-       Que a recolha seja feita sem falhas por parte das operadoras para evitar constrangimentos à população no acto da deposição;
-       Que haja recolha especial para os escombros, sucatas e resíduos volumosos, também denominados “monstros”, por estes exigirem equipamentos especiais adicionais para sua realização e outro tipo de tratamento final.
Estas reflexões foram inspiradas pelo programa “Fórum Manhã Eclésia” da Emissora Católica de Angola do dia 23/06/2004 e surgiu como contribuição pessoal para as estratégias eventualmente traçadas pelo Governo Provincial de Luanda (Comissão de Gestão) e Governo Central para recolha do lixo/resíduos sólidos.

Entendemos também que estes serviços só resultarão em melhorias se houver um programa e um regulamento de resíduos sólidos institucionalmente apoiado.
Luanda, 23 de Junho de 2004

Bessangana
Malembe

domingo, 15 de maio de 2011

O processo de "mussequização" de uma cidade

-Musseque (ou muceque?) é a designação que se dá aos bairros suburbanos (pobres) dos arredores de Luanda segundo o dicionário da Priberam "in internet", com acréscimos meus; 

-Musseque é a designação de bairro ou aglomeração de moradias das classes pobres, termo de etimologia quimbundo, "museke", que significa quinta ou lugar de areia, conforme dicionário Houaiss da Língua Portuguesa do Instituto António Ouaiss, Editora Objectiva, Brasil.

José Carlos Venâncio no seu livro “A Economia de Luanda e Hinterland no Século XVIII, um estudo de sociologia histórica” faz referência a um documento de 1892 que “menciona que os musseques eram terras de agricultura” …  nas quais os … “pomares e hortas se localizavam …”  e faz também referência a Mário Pinto de Andrade que designa musseque, na origem, como simplesmente a areia de cor encarnada do terreno à volta de Luanda no qual estão implantados os referidos bairros pobres.      
Musseque de Luanda eram locais onde se praticava agricultura e se transfomava o produto - produção de farinha de mandioca
O Musseque surgiu da necessidade do autóctone ter uma moradia depois que foi retirado das zonas urbanizadas e urbanizáveis para assentamento dos mais abastados, os colonos europeus na sua maioria. O musseque caracteriza-se por um aglomerado de casas construídas de forma desalinhada, sem traço urbanístico, amontoados algumas vezes, com acessos estreitos para a circulação automóvel, becos acessíveis somente a pessoas e em alguns deles somente a uma e as vezes sem saída. É área sem condições de habitabilidade, onde falta quase tudo para uma vivência condigna e, pelas características de ocupação, facilmente alberga gente de índole duvidosa e perigosa.
-"Mussequizar, mussequização" é um neologismo utilizado por mim na elaboração do presente texto e tem a sua origem no termo musseque, cujo significado procuramos explicar conforme os livros acima mencionados e queremos com ele retratar o processo de deterioração das áreas urbanas consolidadas ou em fase de consolidação. Processo este que se dá por razões de ausência ou descontinuidade de manutenção das infra-estruturas urbanas, dos mobiliários e imóveis urbanos e se completa com a construção anárquica de partes anexas aos imóveis ou em espaços públicos, deformando por completo a estética harmónica urbana.
Este fenómeno é complementado com a venda ambulante de forma caótica por aglomerar vendedores em espaços públicos como praças, passeios e vias de circulação automóvel para comercializarem todo tipo de produtos.  É a indisciplina instalada que exige dos governantes ponderação e perspicácia para engendrar soluções adequadas a contento de todos, dado o estado de miséria em que vivem as populações periféricas, suburbanas e rurais que encontraram na comercialização de vários produtos, muitas vezes em locais impróprios, o seu ganha pão.
A "mussequização" pode ser considerada a forma difusa de tornar inviável o sistema urbano provocando o caos, com todas as consequências que conhecemos:
Lixo espalhado e toda sorte de imundice depositado indiscriminadamente em grandes extensões das vias e dos espaços públicos, acelerando o entupimento do sistema de esgotos que consequentemente deixa transbordar as águas residuais que exalam cheiros nauseabundos tornando o ambiente insuportável e propenso a contaminações da saúde pública, além de ser uma componente que acelera a degradação do pavimento, fazendo surgir buracos que se transformam em crateras urbanas que muitos, no gozo, afirmam haver diminuição das quantidades quando aqueles se juntam e viram autênticos “buracões”, os fantasmas dos automobilistas, principalmente em épocas chuvosas.
Venda Ambulante na rua Lino Amezaga
A estas causas juntam-se a circulação e parqueamento de camiões pesados que excedem as cargas suportadas pelas vias, danificando infra-estruturas de drenagem, de abastecimento de água e a superfície viária.

O caos instala-se definitivamente quando finalmente surgem as obras "cabeludas", aliás, intermináveis, conhecidas por todos os citadinos. Estas que deviam ser o alívio, tornam-se soberbamente no invisível muro intransponível que complica a vida do cidadão, já em si stressado das vicissitudes quotidianas que a urbe lhe oferece.

É necessário um planeamento sério na gestão das infra-estruturas urbanas, dos imóveis e mobiliários urbanos e não o atabalhoado início das obras que "fecham" a cidade e não deixam alternativas viáveis de circulação, na ânsia de mostrar-se obras cuja qualidade nem sempre tem os aplausos da população, pelo contrário, apenas o desencanto.

A mussequização vai galgando a passos largos em direcção ao centro urbano e isto acontecerá definitivamente, depois que a periferia urbana for completamente suburbanizada, aliás mussequizada, como vem acontecendo com os bairros como a Terra Nova, B's e C's, Precol, zona da Gajageira, S. Paulo, BO para não falar dos Cassequeles (ou Cassequéis?) de cima e de baixo, do Cariango, do Adriano Moreira, ali por detrás da fábrica da Cuca, Comissão do Cazenga e tantos outros que foram concebidos com algumas infra-estruturas básicas de saneamento, abastecimento de água, energia eléctrica, vias de circulação, embora muitas não fossem asfaltadas, eram entretanto trafegáveis, sem os actuais constrangimentos e cheiros nauseabundos. Bairros, nos quais já se torna difícil a prestação de quaisquer tipos de serviços básicos, como a recolha de lixo, extinção de incêndios para só citar estes.
As B's e C's
                            
A isto chamo mussequizar o que não é musseque, aliás, o que é urbano porque assistimos impávidos e serenos a reversão da urbanização e das áreas urbanizáveis.
Ponte da Ilha de Luanda em 1924
O musseque que antigamente era afastado cada vez mais para lá das áreas agrícolas, como o Cazenga em meados dos anos sessenta, hoje faz o percurso inverso em direcção a "baixa". Não tarda teremos musseques com construções horizontais e até com as tais torres que agora estão na moda, mas cujas infra-estruturas públicas não estão dimensionadas para suportá-las, agravadas a sua antiguidade e manutenção irregular. Mas isto é assunto para outras praias!!!
Ponte da Ilha de Luanda em 1969 
Poderíamos prolongar este texto descrevendo as mais diversas situações que implicam este processo, pois estão aí a mão de semear; Luanda é fértil neste género de situações, o bairro Hoji ya Henda, pela promiscuidade existente – moradias transformadas em casas comerciais ou armazéns de revenda a grosso, etc. – é bem o exemplo do que vimos afirmando.
Assim sendo, creio ter chegado ao fim daquilo que denominei "Processo de Mussequização de uma Cidade" que pode ser generalizado para outras que passem pelo mesmo processo ou similar e isto para chamar atenção da necessidade em reflectirmos sobre a "arrumação" da nossa cidade e dos bairros que a constituem, nos quais crescemos e continuamos a viver, a criar os nossos filhos que crescem sem ao menos conhecerem na plenitude as comodidades urbanas que a independência devia proporcionar sem distinção.

Bessangana