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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO DAS CIDADES - parte 1

Razões da publicação

Depois da abordagem feita sobre o perigo que constitui a época chuvosa para Luanda e outras cidades de Angola, relativamente as inundações, deslizamentos de terra e ravinas, destruição de casas e cubatas, mortes de pessoas por soterramento, arrastamento e afogamento, destruição de infra-estruras urbanas, derrube de árvores ornamentais urbanas,  etc, etc, ocorreu-nos trazer a público a génese, aliás, a história do crescimento das cidades do ponto de vista de técnicos, estudiosos, pesquisadores, académicos e outros, para um melhor entendimento das razões que tornam as cidades caóticas nas várias fases de crescimento e quais as diversas e reais intenções daqueles que têm a responsabilidade de trazer o, hipotético ou não, bem-estar das populações e dos grupos empresariais que gravitam a volta destes.
Para o efeito e por estar ao nosso alcance, com a devida vênia, utilizaremos a "Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planeamento do Território – Ordenamento da Cidade, realizada sob a orientação científica do Doutor Jorge Carvalho, Professor Associado Convidado da Secção Autónoma de Ciências Sociais, Jurídicas e Políticas da Universidade de Aveiro" da autoria da TÂNIA DANIELA MONTEIRO ALVES cuja adaptação é da nossa responsabilidade.

A publicação será feita por partes e algumas vezes alternadamente com textos sobre outros  assuntos da nossa sociedade que poderão ser do interesse dos amigos leitores aos quais desejamos desde já, boa leitura e Bessangana!
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INTRODUÇÃO - O Crescimento Caótico das Cidades
 
 
As cidades sofreram um enorme crescimento a partir da industrialização, causado pelo aumento da população, alterando para sempre a sua configuração, que foi sendo moldada pelas práticas que foram surgindo, algumas espontâneas, outras a partir dos modelos utópicos que deram origem ao urbanismo do séc. XX.
Muitas cidades actuais continuam a crescer, sem uma direcção definida, de forma caótica, e alastram-se pelo território, associadas a uma expressão já com vários anos, em 'mancha de óleo'. Este crescimento nem sempre justificado pelo aumento da população, vai acontecendo de forma casuística e fragmentária, assente nos interesses imobiliários e numa infra-estrutura viária cada vez mais vasta.
O resultado é evidente: as cidades apresentam-se fragmentadas, dispersas, desordenadas, destituídas de uma forma ou de uma estrutura, sem identidade, e com inúmeros problemas, físico-estruturais, ambientais, sociais e económicos. Estas cidades emergentes não vão, de todo, ao encontro do desenvolvimento sustentável, conceito criado já nos anos 80, e que teve por base a consciencialização da importância das questões ambientais e ecológicas e da sua incompatibilidade com o caminho que as cidades seguiam na altura.
Esta consciencialização conduziu ao aumento da importância dos espaços verdes na cidade, já iniciada com a industrialização, onde a sua criação teve por base a resposta às questões higienistas e sociais. A importância actual prende-se com as questões ambientais e ecológicas, conduzindo à criação de vários conceitos, nomeadamente os de continuum naturale e de Estrutura Ecológica Urbana (EEU).
No entanto, o modo como os espaços verdes e a própria Estrutura Ecológica Urbana (EEU) têm sido abordados, assemelha-se bastante à abordagem de que as cidades têm sido alvo, apresentando-se diversas vezes de modo descontínuo sem a articulação e a multifuncionalidade que seria esperada. Derivam de intervenções isoladas, não fazendo parte de uma visão de conjunto, de continuidade, e tão pouco de integração e articulação com a estrutura edificada, resultando apenas em peças soltas, resíduos, sem identidade e sem leitura na e para a cidade.
É com a leitura destas duas realidades, as cidades actuais e os espaços verdes destas (tendo em vista uma Estrutura Ecológica Urbana), e assumindo-as como um todo, porque a questão assenta nessa visão de conjunto, que se afigura fundamental: contrariar as tendências actuais de crescimento caótico e descontrolado que as atinge e que as vai desfigurando, fazendo com que a sua identidade se dilua, tornando-as num somatório de “não lugares”; e o modo como os espaços verdes é encarado nestas cidades, uma vez que devem fazer parte dela.
É necessário um urbanismo que assuma uma escala mais humana e que realce "a questão ecológica e ambiental" utilizando para tal "novos elementos como a análise estrutural e semiológica do quadro urbano" contribuindo "para a instauração de um Urbanismo adaptado ao habitante"1 e às particularidades e necessidades de cada cidade.

CIDADE, ORDENAMENTO E AMBIENTE

Cidade Pós-Industrial - Ambiente, Características e Problemas

"não são as pedras, mas os homens que fazem a cidade"2

A Industrialização alterou profundamente as Cidades

O aumento da produção e a oferta de emprego provoca uma grande afluência à cidade de 'força operária' que, vinda do campo, procura aqui uma oportunidade de emprego e melhores condições de vida. No entanto, a cidade não se encontra preparada e em condições de albergar esta população, grupos de especuladores dão início à construção de 'casas', originando os bairros operários denominados na Grã-Bretanha de slums. Com o aumento da densidade populacional, inicia-se o processo de suburbanização, a periferia que envolve a cidade antiga, e todo o espaço disponível nesta é ocupado, nomeadamente as suas zonas verdes, jardins e hortos são substituídos por novas construções e remendos (Benevolo, 1997:565), e as condições de habitabilidade tornam-se precárias e insalubres. Os bairros caracterizam-se pela falta de espaço que "impede a eliminação dos refugos e o desenvolvimento das actividades ao ar livre" por falta de espaços públicos e jardins, exiguidade e má qualidade dos edifícios, falta de higiene, luz e ventilação (Benevolo, 1997:565; Carvalho, 2003:57). Aliás, Engels, numa descrição que faz de Manchester, diz que ali "termina toda a aparência de cidade" e "não cresce nem um fio de relva" (Benevolo, 1997:566).

As cidades evoluem sem uma direcção específica à sombra da localização das indústrias e dos interesses especulativos na construção massiva de bairros para as classes trabalhadoras. A cidade tradicional degrada-se e perde todo o equilíbrio com o meio natural.

Embora existam algumas acções por parte das administrações locais na tentativa de resolver os problemas da cidade, a maior parte delas não surte grande efeito. No entanto, durante a mesma altura, não menos importantes são as teorias e a influência dos pensadores dos problemas urbanos. Aliás "em retrospectiva, a influência de todos foi literalmente incalculável, aliás continua a sê-lo. (…) Algumas destas ideias estavam desenvolvidas no final do séc. XIX, e uma grande parte foi tornada pública no final da Primeira Guerra Mundial. No entanto, com a excepção de algumas experiências de pequena escala até 1939, maior parte da influência nas políticas práticas e no desenho apenas começou a partir de 1945" (Hall, 1977:42).

As Respostas Modernistas ao Caos Urbano

Os muitos problemas decorrentes da cidade industrial conduzem ao descontentamento social e a uma busca de soluções para a cidade existente. Desde modo, a tentativa de 'cura' da cidade começa pela sua higienização, e as primeiras respostas surgem ao longo do século XIX através do socialismo utópico, por meio de críticas, denúncias e modelos.

Robert Owen (1771-1858), industrial inglês empenha-se na melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, pondo esse ideal em prática na sua fábrica em New Lanark, fundamentalmente através da redução das horas de trabalho, da prática da escolaridade obrigatória, e do melhoramento do habitat, com base numa cidade-modelo num espaço verde (Choay, 2005:61).

O seu modelo de cidade consiste no estabelecimento de pequenas comunidades semi-rurais distribuídas pelo espaço verde, pequenas cidades industriais autosustentáveis, como Owen as denomina (Choay, 2005:62-63, Guimarães, 2007:108). Deste modo o modelo proposto localiza-se num terreno agrícola com cerca de 500 ha, onde Owen propõe a disposição de habitações num quadrado, para cerca de 1 200 pessoas, em que a zona central é ocupada por edifícios públicos e zonas verdes destinadas ao lazer e desporto. Os edifícios para além de serviços englobam alguns equipamentos como escolas, biblioteca e um centro de encontro, que constitui o centro. No perímetro externo desenvolvem-se as áreas de habitações, onde os jardins destas e um anel de ruas isolam todo o tipo de estabelecimentos industriais e rurais (Benevolo, 1997:567; Owen in Choay, 2005:63-64).

Fig 1. Cidade industrial de Robert Owen - A multiplicação das cidades pelo campo. Fonte : Benevolo (1997)

Fig. 2. Cidade industrial de Robert Owen - New Harmony. Benevolo (1997)
 Owen apresenta o seu plano, entre 1817 e 1820, ao governo inglês, no entanto este é reprovado. Já na América (1825) adquire um terreno para realizar o seu sonho, comunidade à qual chamou New Harmony, no entanto confrontado com a realidade, visto ter que se adaptar a aldeias já existentes, a sua tentativa fracassa (Benevolo, 1997:568).

Entretanto em França, Charles Fourier (1772-1837), um escritor que defende um novo sistema filosófico e político, e que acredita que a reestruturação da sociedade através associação e cooperação é a cura para doença passageira que é civilização existente, assenta a sua proposta num grande edifício, o Falanstério, "nem urbano nem rural"3, no qual deve habitar um grupo de 1620 pessoas de diferentes estratos sociais, a falange (comunidade), implantado num terreno com 250 ha (Benevolo, 1997:568). Segundo Choay (2005:9, 68), o 'modelo de habitação colectiva' de Fourier caracteriza-se pela negação da família, pela ruptura com os modelos passados, pela forma de introdução da natureza no modelo e essencialmente pela visão funcionalista com o início do zonamento funcional. O edifício apresenta já uma separação de funções, por alas e pisos, separando os serviços, equipamentos, oficinas, habitações e zona para visitantes. No piso térreo existe um pátio central e pátios fechados de menor dimensão, de modo a não terem vista para o campo, que funcionam como jardins de Inverno, e passagens fechadas para as carroças. O pátio central consiste no elemento de separação entre o edifício principal e os estábulos, celeiros e lojas. No primeiro piso, encontram-se as galerias cobertas climatizadas que fazem toda a comunicação interna, substituindo as ruas4 (Benevolo, 1997:568; Fourier in Choay, 2005:72-74; Miles, 2008:43-44). Segundo Benevolo (1997:568) entre 1830 e 1850 existem várias tentativas de colocar este modelo em prática por parte de alguns países.

No entanto, o Falanstério é apenas uma parte de um ideal maior, ou seja, uma peça de uma cidade ideal do período garantista5, que multiplicar-se-ia, gradualmente, através de um grande número de Falanstérios transformando-se em cidade (Miles, 2008:42). Essa cidade divide-se em três anéis concêntricos de dimensões distintas adaptadas às construções nelas inseridas, separados por plantações rasteiras e relvados. O primeiro anel é a cidade central, o segundo, destinado aos grandes edifícios fabris e arrabaldes e o terceiro para as grandes avenidas e subúrbios

Fig 3. Falantério de Fourier. Fonte: http://web.tiscali.it/icaria/urbanistica/fourier/fourier05b.jpg
Todas as casas são isoladas, tendo os jardins ou pátios permeáveis no mínimo a mesma área da superfície impermeabilizada pela construção. O espaço vazio permeável é o dobro e o triplo, no segundo e terceiro anel, respectivamente. O espaço entre os edifícios deve ter pelo menos metade da altura deste, nas fachadas laterais e tardoz, e os edifícios localizados nas ruas, não devem exceder em altura a largura desta, reservando um ângulo de 45ºC na fachada frontal, promovendo assim a ventilação e insolação. As ruas devem ter como ponto de fuga monumentos ou paisagem rural, algumas serão curvas, para quebrar a rectilinearidade sendo metade arborizadas com espécies variadas. Existem ruas pedonais, com a mesma largura das outras, no entanto parte da largura destas é ocupada por relvado (Fourier in Choay, 2005:69-71
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Referências:
1 Choay (2005, contracapa;

Assim terminamos a primeira parte de História da Evolução das Cidades, título da nossa responsabilidade, retirada da Dissertação com o título "A Estrutura Ecológica Urbana no Modelo da Rede Estruturante da Cidade1"
2 (Aristóteles in Naredo, 2000:18);
3 Miles (2008:43);
4 Fourier abole as ruas e assim Corbusier fará no século seguinte, poderemos dizer que o modelo de Fourier serviu de inspiração para as ideias desenvolvidas por Corbusier para a Cidade Radiosa, aliás segundo Choay (2005:68) anegação da família no modelo de Fourier é diferença substancial entre os dois modelos;
5 Ver Choay (2005:68-69);
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Bessangana
1- In internet

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